Secção 1.1 - O Corpo Negro
Em geral, o espectro da radiação térmica emitido por um corpo aquecido depende da sua composição. Entretanto, a experiência mostra que é possível idealizar um corpo aquecido que emite espectro térmico de caráter universal. Trata-se do chamado "corpo negro" que são corpos cuja superfície absorve toda a radiação térmica incidente sobre ela. Todos os corpos negros, à mesma temperatura, emitem radiação térmica de mesmo espectro.
Um corpo negro pode ser representado convenientemente por uma cavidade, dotada de um pequeno orifício, como mostra a fig. (1.1). Praticamente, toda a radiação vinda do exterior que passa pelo orifício, entra na cavidade, dificilmente consegue sair dela, e termina por ser absorvida. Assim esse orifício se comporta como um corpo negro.
Fig. (1.1) - Cavidade com um pequeno orifício que se comporta como um corpo negro.
O parâmetro utilizado para descrever a distribuição espectral da radiação de um corpo negro, a uma temperatura absoluta T é a radiância RT, que se refere a energia total radiada pelo objeto por unidade de área e tempo, definida por,
RT = ∫_0^∞ RT (ν) dν (1.1)
onde, RT (ν) é a radiância por unidade de intervalo de freqüência dν, denominada de radiância espectral, e dá a distribuição de radiância de um corpo negro, definida de forma que, RT (ν) dν seja a energia emitida por unidade de área e tempo com freqüências no intervalo entre ν e ν + dν.
Em 1879, Josef Stefan (1835-1893) usando argumentos empíricos, demonstrados teoricamente mais tarde por Ludwig Boltzmann (1844-1906), propõe que a radiação seja proporcional a quarta potência de temperatura, isto é,
RT = σ T4 (1.2)
onde, σ = 5,67 x 10-8 w/ m² . k4 é chamada de constante de Stefan- Boltzmann, e a equação (1.2) é conhecida como lei de Stefan- Boltzmann.
A fig. (1.2) mostra a radiância espectral RT (ν) de um corpo negro para diferentes temperaturas, obtida experimentalmente por O. R. Lummer (1860-1925) e, E. Prungshein (1859-1917) em 1899.
Fig. (1.2) - Radiância espectral de um corpo negro em função da freqüência e temperatura.
A fig.(1.2) mostra que o espectro se desloca para as freqüências máximas νmáx à medida que a temperatura aumenta. Este comportamento é linear, isto é,
νmáx ∝ T (1.3)
e já tinha sido demonstrado por Wilhelm Wien (1864-1928) em 1893, usando argumentos de termodinâmica, e por isso ficou conhecido como lei do deslocamento de Wien.
A distribuição espectral da radiação de um corpo negro pode ser eventualmente descrita em termos de comprimentos de onda λ. A radiância RT na equação (1.1) pode ser escrita nas duas formas seguintes:
RT = ∫_0^∞ RT (ν) dν = ∫_0^∞ RT (λ) dλ (1.4)
A segunda integral RT (λ) descreve a radiação espectral distribuída em comprimentos de onda. Podemos transformar uma integração sobre ν em uma integração sobre λ, utilizando-se a seguinte regra:
RT = ∫_0^∞ RT (ν) d(ν) = ∫_∞^0 RT (ν) (dν/dλ) dλ= - ∫_0^∞ RT (ν) (dν/dλ) dλ (1.5)
Note que os limites de integração é invertido para acomodar a relação inversa entre ν e λ, dada por,
ν = c/λ (1.6)
Comparando-se as últimas integrais das equações (1.4) e (1.5), e notando que da equação (1.6), dν/dλ = -c /λ², obtemos:
RT (λ) = - RT (ν) dν/dλ = c/λ² RT (ν) (1.7)
Note que a dependência de RT (λ) com λ, não é o mesmo que a dependência de RT (ν) com ν. Em particular a lei do deslocamento de Wien, pode ser reescrita, utilizando-se νmáx = c/λmáx, como:
λmáx ∝ 1/T (1.8)
ou seja, agora os valores de λ para máximos de radiância, diminuem com o aumento da temperatura. A constante de proporcionalidade na equação (1.8), conhecida como constante de Wien, foi determinada empiricamente e vale,
λmáx . T = 2, 898 x 10-3 m . k (1.9)
Exemplo 1.1
Supondo-se que as superfícies das estrelas se comportem como corpos negros, pode-se obter uma boa estimativa de suas temperaturas medindo-se λmáx. Para o Sol, λmáx = 5100 Å, enquanto que para a estrela do norte (Estrela Polar) λmáx = 3500 Å.
(a) Achar a temperatura da superfície dessas estrelas e, (b) determinar a radiância dessas estrelas.
Solução
(a) De acordo com a lei de deslocamento de Wien,
λmáx . T = 2, 898 x 10-3 m . k
Para o Sol, λmáx = 5100 Å = 5,1 x 10-7 m , logo,
5,1 x 10-7. T = 2, 898 x 10-3 ⇒ T = 5700 k
Para a estrela polar, λmáx = 3500 Å = 3,5 x 10-7 m, logo,
3,5 x 10-7 . T = 2,898 x 10-3 ⇒ T = 8300 k
Observe que, pelo fato da Estrela Polar emitir mais no ultravioleta, ela é mais quente do que o Sol. O Sol emite mais intensamente na região visível do espectro, sugerindo que, durante a evolução humana, nossos olhos tornaram-se mais sensíveis aos comprimentos de onda desta região do espectro.
(b) Pela lei de Stefan-Boltzman, RT = σ T4, assim,
Para o Sol,
RT = 5,67 x 10 x 10-8 x (5700)4 ⇒ RT = 5,9 x 107 w/m²
ou,
RT ≅ 6000 w/cm2
Para a Estrela do Norte,
RT = 5, 67 x 10-8 x (8300)4 ⇒ RT = 2,71 x 108 w/m²
ou,
RT ≅ 27000 w/cm²